3 de abr. de 2010

Importação de carros - parece que foi ontem mas fazem vinte anos que Brasil teve registro do primeiro carro importado

O empresário Herman Nachbar trouxe uma bagagem valiosa no voo 743 da Varig, que pousou no Galeão, dia 28 de julho de 1990, vindo de Frankfurt. Era um Mercedes 300E preto, que custara US$ 50 mil. Ele não se recorda do preço pelo qual o carro foi vendido (certamente mais que o dobro), mas sabe quem comprou o primeiro importado a chegar oficialmente ao Rio, no início da nova história do mercado automotivo brasileiro.


Foi o dono de um frigorífico paulista. Ele chegou à loja em um sábado e o Mercedes estava exposto desde o dia anterior. Meio desconfiado, pediu para conferir os papéis de importação, tudo era novidade. Saiu e retornou no fim da tarde. Despachamos o carro para São Paulo na segunda-feira, e ele se tornou meu cliente desde então.


Proibidas desde 1976, as importações de automóveis foram liberadas pelo governo Collor no dia 9 de maio de 1990. A inflação acumulada ficara em 1.782,90% em 1989, ano em que 760 mil carros haviam sido emplacados no Brasil. A Autolatina (desastrada união de Volkswagen e Ford) detinha 55% do mercado, seguida por GM (28%) e Fiat (10%).
A mudança na legislação pegou parte da indústria de surpresa. Em 1988, contudo, já havia movimentos para a abertura do mercado, com as primeiras autorizações especiais. Os carros mais luxuosos vieram primeiro, pois a alíquota de importação de 85% era desfavorável para modelos mais baratos, que não teriam como competir com os nacionais.
- Viajamos à Itália um ano antes da liberação, pois acompanhávamos as mudanças. Fomos analisar a possibilidade de trazer o Alfa Romeo 164 - conta Carlos Eugênio Dutra, que hoje é diretor de produto da Fiat e, na época, era gerente de marketing. O negócio já estava encaminhado, e as primeiras cem unidades do sedã chegaram no fim de 1990, vendidas por US$ 135 mil. Isso equivalia a 6,88 milhões de cruzeiros. O mais caro dos automóveis brasileiros era o Escort XR3 conversível, que custava 2,75 milhões de cruzeiros ou US$ 53 mil. O Uno S, com motor 1.3, saía por 570 mil cruzeiros (US$ 11.200).
Os preços dos primeiros importados arrepiavam a classe média, mas faziam sonhar. Jovens curiosos vestindo bermuda Cyclone e tênis Redley (sem falar nas meninas de camiseta Chomp e arcos fofinhos no cabelo) abarrotavam os corredores do Barra Free Shopping (dentro do BarraShopping) para ver o show. Era um salão do automóvel permanente. De um lado, o Citroën XM flutuava montado em sua suspensão hidropneumática. Do outro, o Subaru SVX enchia os olhos com suas linhas esportivas. Até um Honda NSX apareceu por lá, bem como o Mazda Miata, este importado pela Mesbla.
Sucesso era ter um BMW 325i, logo apelidado de "Fuscão de rico" de tão vendido que era, ou um Nissan Pathfinder. Após anos estacionando Monza, Santana e Opala, os manobristas de restaurantes bacanas iam ao céu... Até 1990, os únicos importados de luxo eram os carros que os diplomatas vendiam ao deixar o Brasil.
A Chevrolet trouxe a minivan Lumina, entre 1990 e 1992. Era moderníssima para os padrões de então. Veio ainda um pequeno lote do sueco Saab 9000 Turbo.
- Um engenheiro ia aos Estados Unidos e voltava para dar cursos sobre os carros que viriam. Era um mundo novo para os mecânicos - lembra Bento Costa e Silva, que trabalhava na área de pós-venda da Chevrolet.
Subitamente, expressões como airbag, injeção multipoint, ABS e cruise control passaram a ser discutidas nas rodas de bar pelo brasileiro médio. Estavam embevecidos com tanta tecnologia e passavam a menosprezar suas "carroças" nacionais. O termo fora cunhado pelo presidente Collor, que desfilava com motos Ninja e andou acelerando uma Ferrari F40. Até o velho Landau presidencial foi trocado por um Lincoln Town Car americano.
Enquanto isso, nas autorizadas GM, Bento enfrentava os problemas dos importadores independentes, que iam a Miami e traziam de tudo.
- Uma loja começou a vender modelos Saturn no Rio e houve um recall do carro nos EUA. Fabricados pela General Motors, os automóveis passaram a apresentar defeitos e não havia quem os consertasse. Teve cliente exigindo que o serviço fosse feito pela concessionária - lembra.
A alíquota de importação mudou várias vezes. Começou em 85% e chegou a 35% em junho de 1993. Foi a hora de os importados mais baratos chegarem com força, como Honda Civic, Toyota Corolla e os compactos Peugeot 205.
O maior sucesso foi o Fiat Tipo, produzido na Itália e com preço para brigar com os nacionais. Com o Plano Real e a moeda em paridade com o dólar, o carro ficou ainda mais atraente. Entre 1994 e 1995, atingiu picos de 13 mil unidades emplacadas por mês, desbancando o Gol do topo das vendas. Mas aí vieram os incêndios e as subidas nas alíquotas. O hatch chegou a ser montado no Brasil em regime CKD, mas o custo de importar as peças matou de vez o projeto.
A Toyota, que desde a década de 50 produzia os jipes e as picapes Bandeirante no país, demonstrou interesse em fazer carros de passeio. Mas os cautelosos japoneses só investiriam se houvesse mercado para absorver uma produção anual de 200 mil unidades.
E foram os soviéticos da Lada que deram o primeiro grande passo, em agosto de 1990, quando apresentaram o jipe Niva e o hatch Samara. As vendas começaram em novembro.
O sedã e a caminhonete Lada 2105, aqui chamados de Laika, também vieram. Projetados na década de 60, eram os modelos mais baratos da família soviética e custavam o mesmo que um Gol básico.
A meta era ambiciosa: vender 55 mil Lada por ano no Brasil e abocanhar 6% do nosso mercado. O representante da marca na América Latina ficava sediado no Panamá.
Em 1991, foram vendidos nada menos do que 15.129 Lada. O número caiu para 4.552 no ano seguinte e manteve o patamar em 1993. Depois, foi ladeira abaixo, até a marca sair do mercado, no fim dos anos 90.
Concessionárias nomeadas sem critério e carros mal adaptados à nossa gasolina misturada com álcool (que comia carburadores e diafragmas de bomba de combustível) arruinaram a imagem da marca.
Collor foi afastado do cargo em dezembro de 1992 e o vice Itamar Franco foi empossado presidente. Sua ênfase era na produção nacional. Apaixonado pela simplicidade do Fusca, estimulou a fabricação de carros populares e a indústria deu um salto em números.
E os japoneses estavam certos. A Toyota começou a fabricar automóveis de passeio em 1998, em Indaiatuba (SP), e hoje tem capacidade para produzir 67 mil unidades por ano. Entre 2011 e 2012, quando os compactos Etios começarem a ser produzidos em Sorocaba, a capacidade subirá para 220 mil. A meta de 1990 será, enfim, alcançada.




Sds,

Kátia de Oliveira
katia@mullergrupo.com.br
katiadeoliveira@hotmail.com

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